Rafael Donadio
4 min readDec 6, 2016

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RABECA. O pernambucano Salú utiliza o instrumento para tocar e ser tocado por músicas do mundo todo. Foto: José Carbonel

Chegando ao Paraná como uma das principais atrações do segundo dia do Festival Paraíso do Rock — que acontece amanhã e sábado em Paraíso do Norte (a 100 quilômetros de Maringá) -, o olindense Maciel Salú concedeu entrevista ao Diário, no meio da correria da turnê do trabalho solo, do lançamento do disco “Bonfim”, da Orquestra Contemporânea de Olinda (OCO),da qual faz parte, e da divulgação do projeto de financiamento coletivo do quarto disco da carreira, “Baile de Rabeca”.

Filho do grande Mestre Salustiano e neto do também rabequeiro João Salustiano, o incansável músico convive com a cultura popular e com as brincadeiras de folguedos, cavalo-marinho e maracatu desde criança. Apesar de ter as raízes fincadas profundamente no folclore nordestino, ele mantém a cabeça erguida e antenada às influências que vem adquirindo nas turnês internacionais (Europa e EUA) com a OCO e em carreira solo.

Com três discos já lançados, “A Pisada é Assim” (2004), “Na Luz do Carbureto” (2006) e “Mundo” (2010), o rabequeiro está na estrada com o trabalho autoral há mais de 10 anos.
Por e-mail, o músico contou um pouco sobre a importância da rabeca, as influências do seu trabalho, o novo disco e a expectativa de tocar no festival.

Primeiro, eu gostaria de perguntar sobre a rabeca, que, por aqui, é bem desconhecida e pouco usada, apesar de ser instrumento do fandango, ritmo aqui do Paraná. Como você acha que esse instrumento se encaixa na música moderna brasileira e no rock? Ele tem algum espaço? E qual a importância da rabeca nessas músicas?

Acho que você pode tocar tudo com a rabeca. Isso depende da proposta do trabalho que o rabequeiro quer mostrar. Tanto pode ser nas brincadeiras de terreiro (como o cavalo-marinho, o fandango, o reisado…), tanto pode ser num samba, nessa junção de rabeca, bateria e baixo, vai bem com o piano, com o violino, ou somente voz e rabeca. É um instrumento que transita muito bem entre os mais diferentes gêneros musicais, depende somente da proposta do rabequeiro.

A rabeca continua com a importância que teve na cultura nordestina?

Claro! Ela cada vez mais vem se perpetuando. Além da rabeca ser um instrumento bastante peculiar, desde a década de 90, por conta da valorização que ganhou graças ao movimento manguebeat, que ela vem se fortalecendo e se perpetuando, tanto nas brincadeiras de terreiro como nos palcos.

Quem você considera os maiores rabequeiros? Antigos e novos.

Meu pai, o Mestre Salustiano, meu avô João Salú, o Mestre Luiz Paixão de Pernambuco, Manoel Pereira, grande rabequeiro de cavalo-marinho, Pitunga, que, além de ser um grande luthier de rabeca, era um grande tocador, além de seu Nelson da Rabeca, de Alagoas. Da geração nova, admiro muito Siba, Dinda Salú, Thiago Martins, um músico jovem de Recife que tem feito um trabalho muito bom.

Além de toda cultura do maracatu, cavalo-marinho, coco, quais as suas influências musicais?

Minhas influências são tudo aquilo que me toca. Além da música e da cultura brasileira, como o frevo, o maracatu, o samba, Cartola, Nelson do Cavaquinho, Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Jacinto Silva, Ary Lobo, entre tantos outros mestres, gosto bastante e me deixo influenciar pela música cubana, especialmente de Ibrahim Ferrer, o afrobeat de Fela Kuti, o afrorock dos anos 70, música latina e africana no geral. Enfim, tudo aquilo que de alguma forma mexe comigo, no fim vai para música que faço. Isso tudo me forma e se soma às minhas referências de base, mas sem perder minha identidade.

E as turnês internacionais, que fez com a Orquestra Contemporânea de Olinda e em carreira solo, influenciaram seus trabalhos?

Tudo influencia meu trabalho. Eu sou contaminado por tudo aquilo que eu vivo, vejo, ouço, sinto. Há anos, conheci o som de Fela Kuti e depois conheci mais a fundo a sua história, isso me contaminou, e está na minha música. É a mesma coisa que acontece com o maracatu rural e o cavalo-marinho, que convivo desde criança. Fazem parte de mim, então estão na minha música. Não tenho pretensão de fazer uma tradução fiel nem aos ritmos da cultura popular, tampouco ao afrobeat, mas as referências estão aí, em cada música que componho, canto e toco, simplesmente porque é impossível desassociar isso de mim. É assim com o pop, o samba, a cúmbia, o merengue…

O disco novo está participando de um projeto de financiamento coletivo. O que acha desse tipo de projeto?

Essa é a primeira vez que lanço um projeto de financiamento coletivo. É preciso muita coragem e engajamento. É um caminho muito difícil, mas ao mesmo tempo muito legal, pois aproxima ainda mais o músico do público, do cara que gosta do seu trabalho e quer apostar em você, quer se tornar seu parceiro. Isso não tem preço. Essa relação, essa confiança que é depositada, é especial demais.

Tem apresentado seu show solo em festivais de rock? Pergunto isso porque, no lineup do Paraíso do Rock, você é o artista com o som mais diferenciado.

Já apresentei meu trabalho solo no Abril Pro Rock. Mas, particularmente, não faço distinção entre festival de rock, de música erudita, popular ou macumba não (risos). Para mim, música é música e ponto. Pode ser uma valsa ou qualquer outro gênero, se tocar a pessoa, se falar algo pra ela, será tão arrebatadora quanto um rock ou qualquer gênero musical. Esse é o desafio da minha música. Fazer música para tocar as pessoas, independente de rótulos. Música para mim é mundo!

Qual a expectativa para o show de sábado?

A minha expectativa é sempre a mais positiva, de fazer um show massa, que mexa com o público, que consiga transmitir esse sentimento que levo para o meu show. E também de conhecer novos trabalhos, de ser tocado pela música das outras bandas que tocam no festival, conhecer música e gente nova para renovar a alma, a energia e a inspiração.

Entrevista publicada originalmente no jornal O Diário do Norte do Paraná, Maringá (PR), no dia 9 de julho de 2015

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Rafael Donadio

Jornalista com seis anos de experiência. Atua principalmente na área cultural/musical. Colunista musical.